igreja-4um pouco da sua história…

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Em grande parte fruto da sua abertura ao mar e da participação activa das suas gentes no movimento da “Expansão portuguesa”, o lugar de Matosinhos registou um crescimento significativo entre os séculos XV e XVI. Berço de uma escola de famosos e conceituados marinheiros e navegadores, local de produção e comercialização de sal, palco de estaleiros para a construção naval, Matosinhos era já, por essa altura, um povoado que apresentava dimensões dignas de nota, merecendo que, em 1514, o rei Manuel I lhe atribua Foral. Algo esquecido pela historiografia, o papel de Matosinhos nos “Descobrimentos” terá sido, com efeito, relevante. Disso mesmo é elucidativo o facto de, em 1538, D. João de Castro, considerado como uma das personagens mais representativas do Renascimento português, dedicar do seguinte modo o prólogo da sua obra “Roteiro de Lisboa a Goa”: “sendo notório que não escrevo este livro para se ler a damas e galantes, e se aproveitarem dele nas cortes Reais, mas (para) os de Leça e Matosinhos”. Ou seja, quando um contemporâneo da “Expansão”, testemunha privilegiada desses acontecimentos, com largos conhecimentos e vasta experiência das viagens, quis dedicar um livro sobre rotas marítimas a uma terra e a uma comunidade que, nessa época, ele considera que se identificava plenamente com esse espírito, não teve grandes dúvidas: dedicou-o “aos de Leça e Matosinhos”.
O desenvolvimento da povoação é então de tal forma marcante, que não é de estranhar que face à decadência e ruína da igreja de Bouças – até aí principal centro religioso da região, mas que deixara de o ser do ponto de vista administrativo e da dinâmica económica e social do povoado – se tenha optado por construir um novo templo… já não em Bouças mas, sintomaticamente, em Matosinhos, para onde passa a sede da paróquia e a imagem do Bom Jesus de Bouças que desde então, pouco a pouco, foi perdendo aquela designação em favor da de Senhor de Matosinhos.
A igreja então construída, que possuiria no seu aspecto original muitas semelhanças com as matrizes tardo-góticas/renascentistas de Caminha e Vila do Conde, apresentaria já dimensões significativas e esclarecedoras da importância do povoado.
Data de 1 de Julho de 1559 o contrato entre a Universidade de Coimbra, que desde 1542 possuía o padroado de Bouças, e o imaginário e arquitecto João de Ruão, por 1.350$000 (reis), visando a construção de uma nova igreja. O prazo previsto para a obra era de quatro anos. Demoraria vinte! (Cleto 1995: 47-48; Garcia 1913)
O facto da responsabilidade da construção pertencer à Universidade de Coimbra, que possuía agora o seu padroado, irá motivar as nítidas influências artísticas e arquitectónicas da quinhentista escola coimbrã, de que João de Ruão foi um dos expoentes máximos.
Originário, como o seu próprio nome indica, da capital da Normandia, João de Ruão chegou ao nosso país, já como artista perfeitamente formado, na década de 20 do século XVI. Autor de imensas obras, nomeadamente para a Universidade de Coimbra, é considerado juntamente com dois outros artistas franceses (Nicolau Chanterenne e Filipe Hodart), como um dos mais representativos escultores e arquitectos do Renascimento em Portugal, responsáveis pela expansão entre nós do gosto renascentista e pela introdução do Maneirismo. Tendo executado um número verdadeiramente impressionante de obras, quer como escultor, quer como arquitecto, tal acabou por prejudicar muitas das vezes a qualidade dos seus trabalhos ou, como aconteceu em Matosinhos, a sua demorada execução. Tendo morrido em 1580 foi, no entanto, dos três escultores franceses do Renascimento português, aquele que deixou discípulos e continuadores. Entre estes viria a destacar-se Tomé Velho a quem, de resto, se associa para terminar a Igreja de Matosinhos.
Nos primeiros documentos relativos à edificação da nova igreja fala-se ainda de “reconstrução” da igreja de Bouças. É pois bem possível que, num primeiro momento, fosse essa a ideia da Universidade de Coimbra. Contudo, depois que, em Julho de 1560, o Reitor envia João de Ruão a Matosinhos para este analisar o chão em que se havia de fazer a egreja, a opção pela construção de um novo templo parece ser definitiva. De facto a partir de então os documentos deixam de se referir à reconstrução e/ou obras na igreja de Bouças. O estado de ruína daquela devia ser de tal forma significativo e o apogeu do lugar de Matosinhos de tal forma evidente que não terá restado qualquer dúvida sobre a utilidade de uma nova construção, bem mais próxima de Matosinhos.
Não obstante a sua ruína e decadência, o peso histórico, as tradições e as ligações a Bouças eram ainda fortes. Tal como a veneração ao seu Bom Jesus. Vários indícios o comprovam. O empenhamento demonstrado pelo rei nas obras é um bom exemplo.
Já no ano anterior, 1559, o monarca mandava que o corregedor da comarca do Porto e todas as autoridades dessem a João de Ruão, sempre que este o solicitasse, oficiais, servidores, barcas, navios, carros e tudo o necessário para as obras na igreja do Salvador de Bouças. E, na mesma altura que João de Ruão se desloca a Matosinhos, a Universidade de Coimbra, muito segura de uma resposta afirmativa, solicita ao rei que seja permitido pescar nos dias santos para ajuda da obra.
Mas um facto parece comprovar de forma significativa a importância, pelo menos simbólica e tradicional, que Bouças ainda possuía: o sítio escolhido para a construção da nova igreja. De facto, embora ela não seja construída em Bouças, também não o foi claramente em Matosinhos, optando-se por um lugar que na época era ermo e equidistante entre os dois locais.
Entretanto, o empenhamento do rei em dotar Matosinhos de uma igreja condigna e que desse resposta às necessidades levam-no, em 11 de Setembro de 1560, a solicitar que à traça da obra apresentada a João de Ruão se acrescentassem duas braças de comprido e oito palmos de largo, para ser capaz do povo e fregueses que tem de ter a perfeyção que covem.
Estas mesmas preocupações com o alargamento do espaço em relação ao projecto original, vamos encontrar dois anos depois, a 14 de Outubro de 1562, numa carta endereçada pelo arquitecto francês à Universidade, na qual propõe fazer a porta da igreja “mais fora”. Nessa missiva indica que a obra seria de pouco custo (pede 50 mil reis) mas “fiquava mayor a Igreja”.
Três anos depois, em 1565, a Universidade de Coimbra continuava a receber cartas de João de Ruão com propostas de modificações na edificação da igreja. A obra, que era suposto terminar em 1563, começava pois a atrasar-se. Mas dois anos eram ainda muito pouco…
Em 1567 a Universidade toma pela primeira vez uma posição de força face ao atraso da construção: embarga o dinheiro da renda. O arquitecto responde de imediato indicando que pretende terminar rapidamente a obra. Esta, contudo, no ano seguinte continua atrasada, motivando um novo embargo de 40 mil reis na renda.
Quatro anos depois, em 1572, doze após o início da construção, os ânimos começam a exaltar-se. Em Julho o povo queixa-se dos atrasos. João de Ruão compromete-se a fazer o retábulo, forro da igreja e abóbada do coro até à Páscoa do ano seguinte. Entretanto solicita à Universidade 30 mil reis para fretar uma caravela que lhe leve “pedraria e cal”. A verdade porém é que, um ano depois, a obra não está terminada.
A Universidade de Coimbra exige a conclusão dos trabalhos, agudizando-se, também, as divergências entre a Universidade e o artista devido a pagamentos. Finalmente, por acordo, o arquitecto recebe 200 mil reis, prometendo não pedir mais por perdas e danos.
A 21 de Junho de 1575, e uma vez que a construção continua a decorrer a um ritmo muito lento, é o próprio Bispo do Porto que toma uma forte posição sobre aqueles atrasos na obra despachando que se “ponha nela sequestro por nã estar a igreja acabada”. João de Ruão é mesmo notificado para que a acabe rapidamente, sob a pena de a concluir à sua custa.
O definitivo arranque final só se concretiza, no entanto, no ano seguinte quando, em 28 de Abril, são revistos e rectificados os anteriores contratos de João de Ruão e à obra é associado um outro conhecido “imaginário” e arquitecto: Tomé Velho. Para acabar a obra são necessários ainda mais 200 mil reis. Finalmente, três anos depois, a 2 de Junho de 1579, para terminar a obra faltava apenas pintar o retábulo.
Prevista para quatro, haviam sido necessários vinte anos para construir a nova igreja. Poucos meses depois morria João de Ruão…
Desta primitiva igreja renascentista do século XVI, significativamente alterada no século XVIII, possuímos poucas informações. A melhor descrição pertence a Cerqueira Pinto, mas é datada já de 1737, pelo que alguns dos pormenores originais, nomeadamente o retábulo, escapam ao escritor: Em frondosa amena planície copada de sublimes alamos, logo na entrada deste venturoso lugar foy erecta a sumptuosa fabrica do novo templo, com elevados capiteis em suas torres, e no interior composta de tres naves, a que pelo meyo sustentão altas colunnas todo primorosamente azulejado, e da mesma sorte o frontispício, em que ficarão esteriormente delineadas as figuras de Jose e Nicodemus. Sobre o arco da Capella mayor ficou então tambem gravada em tres aritmeticos numeros a conta de 162, que ja ponderamos significar a era em que a Sagrada Imagem do Senhor de Bouças milagrosamente aportara na memoravel praya de Matozinhos. Era magestosa a mesma capell (…) e no retabolo do altar della, custosamente entalhado, conforma a praxe melhor daquelles tempos, se via em particular espaçoso nicho o veneravel Crucifixo colocado, com as bem delineadas imagens da Soberana Virgem Senhora N. e de S. João Envagelista ao pe da Cruz, em representação da magoada assistencia, que fizerão à Paixão do Filho e Mestre do Calvario. Em nichos particulares, e collaterais do mesmo altar, estavão de vulto bem ideadas as imagens de Joseph de Arimathea e de Nicodemus, com insignias indicantes do descendimento da Cruz, celebrado no Calvario (…). Erão as paredes da mesma capella, como toda a Igreja, de precioso azulejo revestidas, e no meio da parte do Evangelho havia formado de pedra de cantaria a sepultura do bispo D. Giraldo Dominguez, com o seu retrato pontificalmente delineado sobre o elevado tumulo, a que sem duvida se havião reconduzido seus ossos da vila de Estremoz onde falecera na era de 1359, anno de Christo de 1321(Pinto 1737).
Dos azulejos, descritos por Cerqueira Pinto, que revestiam, entre outros, a primitiva capela-mor pouco resta. Apenas alguns exemplares numa pequena dependência nas traseiras do altar-mor. Do retábulo original, provavelmente da autoria de João de Ruão, não há hoje na capela-mor qualquer vestígio. Algumas das imagens aí colocadas chegaram contudo até aos nossos dias, como é o caso das de Nicodemos e José de Arimateia, atribuídas no entanto por alguns investigadores a Tomé Velho (Gil 1988: 130).
Desse primeiro retábulo da igreja, que Cerqueira Pinto não chegou a conhecer e que, por esse motivo, não nos descreve, sabe-se muito pouco. Porém, a descoberta em 1995 de alguns fragmentos de pedra ançã, trabalhados e pintados, detectados entre os materiais que foram reutilizados no século XVIII nas ampliações das paredes laterais, poderá lançar algumas pistas, uma vez que tais fragmentos foram associados ao retábulo original (Cleto 1995: 46). Para o desconhecimento que dele hoje possuímos, contribuiu também o facto de em 1650-51 ter sido substituído por um novo retábulo, encomendado em 26 de Abril de 1650 a Ambrósio Pereira “emxamblador, mestre de fazer retavolos”. Porém, também este iria sofrer profundas alterações meio século depois, em 1696. Por escritura de 28 de Dezembro de 1695 as modificações e acréscimos são entregues a João Pereira, “mestre imaginário”. Tendo morrido antes de concluir o trabalho, a obra é entregue a três outros artistas: Gabriel Ferreira, Manuel Correia e Francisco do Rego (Brandão 1984-86: I, 830).
O ritmo de obras abranda nos 30 anos seguintes. Temos conhecimento de um contrato, em 1697, com o pintor Manuel Ribeiro, para o douramento do retábulo do Santo Cristo de Bouças (idem: I, 843) e, em 1710, de um outro contrato com Cristovão Ruiz (Rodrigues), para a construção de um órgão (idem: II, 357).
Começava, entretanto, a viver-se o Barroco, e o grande florescimento da talha dourada era, do ponto de vista artístico-religioso, a grande moda. Moda facilitada, e de alguma forma incentivada, pelo aparente enriquecimento do reino com o ouro e as pedras preciosas que chegavam do Brasil.
Por outro lado, desde o século XVII que se vinham constatando grandes inovações e novas soluções na arte religiosa europeia. O catolicismo pós-Tridentino procurava, assim, reagir ao avanço do protestantismo. O aparecimento das novas ideias e estratégias barrocas visam, com efeito e antes demais, a captação e a fidelização dos fiéis através do impacto emocional criado pela teatralidade, pelo movimento, pela exuberância decorativa, pelo apelo ao cénico, ao luxo, à sumptuosidade… É o tempo da construção dos grandes santuários cénicos, dos sacro-montes, dos exuberantes paramentos utilizados pelos padres e outras autoridades da Igreja, das portentosas talhas-douradas a decorar os retábulos no interior das igrejas. É o tempo da afirmação das procissões, como um espectáculo que deve prender a atenção e devoção dos fiéis. É o tempo do barroco!
Face à sua “desactualizada” capela-mor, com “nuas” paredes em cantaria ou cobertas por azulejos, os irmãos da Irmandade do Bom Jesus de Bouças decidem, em 1726, proceder a profundas obras de reconstrução que, desde logo, passam por um contrato com o mestre entalhador Luís Pereira da Costa para se fazer um novo retábulo do Bom Jesus e a talha das bandas e tecto da capela-mor e arco cruzeiro pela “quantia de quatro mil e quinhentos cruzados em dinheiro contado” (Brandão 1963).
Na sequência do trabalho em talha, ao qual se associa também em 1726 o artista Ambrósio Coelho (Brandão 1984-86: III, 74), em 1731 entram em acção os mestres douradores Bento de Sousa e seu filho Caetano de Sousa Coutinho, e João Lopes da Maia e seu filho José Lopes que, por seis mil cruzados, arrematam a obra de douramento da talha.
Em 1733, de 4 a 6 de Maio, para assinalar o fim das obras de remodelação do altar-mor e a colocação da imagem do Senhor de Matosinhos no seu novo trono, realiza-se um tríduo festivo. Desde então e até aos nossos dias, a repetição anual desta festa, na segunda oitava do Espírito Santo, deu origem (oficialmente) à Romaria e Festa do Senhor de Matosinhos. Mas, apenas, oficialmente. Porque, a origem das Festas é muito anterior.
A intervenção barroca na igreja de Matosinhos não ficaria, no entanto, por aqui. Dez anos depois, a 3 de Julho de 1743 é estabelecido um contrato entre a Irmandade do Bom Jesus de Bouças e a Universidade de Coimbra para se realizarem obras de ampliação e remodelação, segundo a planta apresentada pelo “italiano” (Nicolau Nasoni).
Vindo de Malta para o Porto, onde construiu numerosos edifícios, incluindo aquela que é considerada a sua obra-prima (a Igreja dos Clérigos, com a sua famosa torre), Nicolau Nasoni estendeu a sua vastíssima obra um pouco por toda a região norte. Considerado, indiscutivelmente, como um dos grandes arquitectos do barroco português, Nasoni criou um estilo muito pessoal (e muito ao gosto nacional), repleto de efeitos de luz e sombra, modelando com um vigor surpreendente o granito que, assim, toma formas expressivas e movimentadas. Outra das características das obras deste artista, que encontramos de forma evidente na Igreja de Matosinhos, são as proporções bem calculadas e equilibradas dos alçados e recortes dos edifícios. E, obviamente, uma especial atenção ao tratamento do impacto cénico do monumento. Há, aliás, muitos estudiosos que consideram que Nasoni foi, antes de tudo, um brilhante arquitecto paisagista.
Relativamente à intervenção de Nasoni neste templo, de particular evidência na fachada e a partir da qual o imóvel praticamente tomou o aspecto que hoje lhe conhecemos, estamos razoavelmente informados graças a dois preciosos documentos: o “Termo que fazem os ofessiais e mais Irmãos da Meza do Bom Jezus de Boussas para tomarem a hobra da Igreja a sua conta...” de 3 de Julho de 1743 e, principalmente, o “Termo de apontamentos para a ôbra que mandão fazer nesta Igreja o thezoureiro e mais ofessiais da Meza do Bom Jezus de Boussas” de 3 de Agosto de 1743 (transcritos e cit. Gomes & Osório 1985). Por outro lado, sobre todo o ritmo de construções neste templo e seus artistas, existe desde 2001 uma obra fundamental e incontornável, alicerçada na documentação e arquivos da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos (Sousa 2001).
A descoberta durante os trabalhos de restauro, mandados executar pela Fábrica da Igreja da nossa Paróquia, em 1995, de seis pequenas janelas abertas no topo da nave central e de uma série de fragmentos de elementos arquitectónicos até então desconhecidos, reutilizados como material de construção junto ao telhado (Cleto 1995), contribuiu igualmente para que hoje tenhamos uma visão muito aproximada do que foi a intervenção de Nasoni.
Assim, da análise daqueles documentos e dos vestígios acima referidos, obviamente completada por uma observação directa do monumento, não é difícil perceber que a planta da igreja quinhentista não se alterou muito com a intervenção do século XVIII. O altar-mor, os caixotões do tecto, as duas arcadas e as três naves são originais. O arquitecto italiano apenas prolongou ligeiramente o templo, grosso modo à área correspondente à fachada e ao coro alto (uma visita ao monumento e uma observação às colunas das arcadas em comparação com as que suportam o coro é perfeitamente elucidativa da ampliação realizada). Do projecto do arquitecto italiano resultaram, igualmente, as duas capelas laterais.
Mas, se no que respeita à planta da igreja original possuíamos, portanto, algumas indicações, o mesmo não se poderia afirmar do seu alçado. Por tal motivo assumiu grande importância a descoberta das referidas seis janelas (uma das quais apresentava ainda vitral) no topo das arcadas na nave central. Graças a elas podemos reconstituir, por exemplo, de forma mais aproximada, o tipo de cobertura inicial. Teríamos então um telhado para cada nave e, no que respeita ao alçado, a nave central salientava-se acima das laterais de tal forma que as já citadas janelas se implantavam perfeitamente voltadas para o exterior, permitindo a entrada de luz no templo (Cleto 1995: 46).
A reconstituição, com base nos alçados que aquelas pequenas janelas insinuam, vem sublinhar a comparação que alguns historiadores de arte vinham sugerindo entre a igreja original quinhentista de Matosinhos com as que ainda hoje podemos observar em Vila do Conde ou Caminha. O aparecimento de um único telhado, abrangendo as três naves e retirando, portanto, a funcionalidade às referidas janelas, deve-se à intervenção de Nasoni e está perfeitamente indicado no já aqui citado “Termo de apontamentos para a obra…”: “(…) e se levantará até altura perciza para tomar as agoas que hão de ficar em hua sô”. As janelas são então emparedadas e dissimuladas num processo que culminará com a sua definitiva ocultação com a posterior aplicação dos caixotões de madeira ao travejamento do telhado.
O ambiente e as estratégias de iluminação do templo executadas no século XVI foram, com efeito, completamente modificadas no séc. XVIII. Aliás, da intervenção de Nasoni nas paredes laterais da igreja, que foram igualmente alteadas, resultaram não só os actuais quatro altares laterais, mas também as seis grandes janelas, com varandim granítico.
Na capela-mor, e anteriormente às várias dependências que a partir da segunda metade de Setecentos se lhe vão anexando exteriormente, existiam também duas grandes “janellas que por cristalinas vidraças dão copiosa e clara luz a toda a capela, (e que) ficarão igualmente de pomposa talha revestida…” (Pinto 1737). Curiosamente, a posterior construção da sacristia, contígua no lado da Epístola ao altar-mor (e que se deverá a Nasoni), embora tenha provocado o fim da fenestração naquele lado, motivou a pintura, naquele espaço, de um singelo motivo que procurava dar a ideia de que a janela ainda existia, reproduzindo uma árvore e um edifício que se veriam no exterior. A outra janela, no lado do Evangelho, também ela posteriormente “emparedada” com a construção de anexos encostados, do lado Norte, ao exterior da capela-mor, foi decorada com papel que, retirado em 1995, revelou um vitral tipologicamente muito semelhante ao detectado nas pequenas janelas existentes no topo da nave central (Cleto 1995: 46).
A intervenção de Nasoni originou, obviamente, um novo e intenso ciclo de campanhas de obras. Eis uma breve listagem de contratos então celebrados (para maior aprofundamento deste tema consultar Brandão 1963, Dias & Sousa 1994, Sousa 2001, Cleto 2005): em 1774 contrato com Manuel Pereira Soares para obras de carpintaria; em 1746 com Domingos Martins Moreira, para obra de talha dos retábulos das capelas do Santíssimo Sacramento e do Senhor dos Passos; em 1747 com o mesmo artista, para obra de talha dos quatro retábulos laterais; no mesmo ano e em 1749, e ainda com o mesmo Domingos Moreira, para talha e douramento dos dois púlpitos; em 1750 com José da Mota Manso, para douramento do retábulo, ilhargas, arco e frontispício da capela; em 1751-52 novo contrato com José da Mota, para douramento do retábulo de S. Pedro; em 1753-54 com Manuel da Costa Andrade, para douramento das sanefas e varandas; e em 1772 com José Teixeira Guimarães, para execução de dois bancos de encosto.
Entretanto, a 6 de Maio de 1760, a igreja era sagrada por um natural de Matosinhos: D. Frei João de S. José, monge beneditino, bispo de Grão-Pará. Mas os tempos começavam a ser outros. As riquezas vindas do outro lado do Atlântico iriam começar a diminuir e, nos dois séculos seguintes, o ritmo de obras abrandou significativamente.
Assim, além da construção de mais alguns anexos adossados à capela-mor (em 1867 consideravam-se finalmente concluídas as obras da igreja!), e da colocação de novos sinos, carrilhão e relógio nas torres sineiras, dever-se-á registar apenas, já no século XX, a electrificação do imóvel.
(in Cleto, Joel: Senhor de Matosinhos, lenda, história e património, 2ª edição)