O significado da Quarta-feira e das Cinzas

Quarta-feira

Desde os primeiros tempos da Igreja, litúrgica e espiritualmente falando, nem sempre todos os dias foram igualmente importantes. À parte o domingo, dia do Senhor e festa primordial, há outros dois dias – a quarta e a sexta-feira – que cedo se destacaram pelo seu tom penitencial. Eram os dois dias de jejum semanais, tanto no Oriente como no Ocidente. Roma, posteriormente, acrescentou também o sábado.
A sexta-feira já se entende porquê: a Morte do Senhor. Mas a justificação da quarta-feira encontra-se em vários documentos dos primeiros séculos que dizem que a Última Ceia do Senhor teria tido lugar na terça-feira, e, na noite seguinte, ou seja, no começo já de quarta-feira, o Senhor foi entregue por Judas. Esta explicação encontra-se, por exemplo, na Didascália dos Apóstolos, do século II, e repete-a Santo Epifânio, no século V: «a quarta-feira e a sexta-feira transcorrem em jejum até à hora nona porque, quando começava a quarta-feira, o Senhor foi detido, e na sexta, foi crucificado.»
Além disso, cedo ainda, estes dias tiveram celebração eucarística, sobretudo no Oriente, e, depois, também no Ocidente. Mais tarde, perdeu-se o carácter de jejum da quarta-feira, e a sexta-feira ficou reduzida à *abstinência. O único resquício deste carácter penitencial da quarta-feira – juntamente com a sexta-feira e o sábado – persistiu até à última reforma, nas Quatro-Têmporas do ano (3.ª semana do Advento, 1.ª da Quaresma, Semana de Pentecostes e 3.ª semana de Setembro), suprimidas do calendário português.
Uma quarta-feira muito particular é a de Cinzas, com a qual se dá início à Quaresma, também agora depois da reforma. Em rigor, quando no século IV se organizaram os quarenta dias de jejum de preparação para a Páscoa, a Quaresma começava no primeiro domingo. Mas mais tarde (pelo século VI), para assegurar que houvesse quarenta dias de jejum efetivo – já que ao domingo não se jejuava – adiantou-se até à quarta-feira anterior, que passou a ser caracterizada com a cerimónia da imposição das cinzas.

Cinzas

A cinza, do latim, cinis, é o produto da combustão de algo consumido pelo fogo. Muito facilmente adquiriu um sentido simbólico de morte, caducidade, extinção e, em sentido extensivo, de humildade e penitência. Em Jn 3,6, o gesto do rei de Nínive, que se senta sobre a cinza, serve para descrever a atitude de conversão dos habitantes da cidade. Muitas vezes, encontra-se a alusão ao «pó» da terra: «eu que sou apenas cinza e pó», diz Abraão, em Gn 18,27.
Em Quarta-feira de Cinzas, a anterior ao primeiro domingo da Quaresma (ou seja, a que segue ao Entrudo), realiza-se o gesto simbólico da imposição das cinzas na cabeça, fruto da cremação das palmas do ano anterior. É um gesto de resposta à Palavra de Deus que nos convida à conversão, como início do jejum quaresmal e da caminhada de preparação para a Páscoa. A Quaresma começa com as cinzas e termina com o fogo, a água e a luz da Vigília Pascal. Sugere-se que algo deve ser queimado e destruído em nós – o homem velho – para dar lugar à novidade da vida pascal de Cristo.
O ministro, enquanto impõe as cinzas, profere uma destas duas expressões: «Arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1,15) ou «Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás de voltar» (Gn 3,19): um sinal e umas palavras que exprimem muito bem, por um lado, a nossa caducidade e o nosso arrependimento, e, por outro lado, a aceitação do Evangelho, ou seja, a novidade de vida que Cristo quer comunicar, em cada ano na Páscoa.

José Aldazábal