Passos para a Reconciliação

Exame de consciência

Antes que ação e atitude do ser humano, a penitência é uma ação divina, um dom d’Aquele que nos amou quando éramos ainda pecadores (cf. Rm 5, 8), pois o ser humano só por si não é capaz de se libertar das amarras do mal e do pecado. A penitência é uma espécie de fundo obscuro que revela algo de positivo: a achegada do reino de Deus. Só é possível a penitência porque se manifestou em Jesus o insondável amor de Deus por toda a humanidade. É a presença da luz de Deus que faz vir ao de cima as fragilidades de debilidades do ser humano e a necessidade de converter-se para ter acesso à vida em plenitude.

Como resposta da fé à oferta do amor divino, a penitência exige como primeiro passo o reconhecimento dos pecados através do Exame de Consciência. Mais do que acusar-se a si próprio, é a proclamação da santidade divina e um primeiro passo para a mudança. A nossa recusa do amor de Deus (o pecado) manifesta-se na vida humana essencialmente em quatro relações: com Deus, com os irmãos, connosco próprios e com o mundo.

Relação com o mundo: Deus é um Pai comum que nos criou por amor, com uma missão a desempenhar no mundo. Assim, pecamos quando não acolhemos o amor de Deus e nos opomos à Sua vontade.

Relação com os outros: Aquele que reconhece Deus como Pai comum tem de reconhecer em cada ser humano um filho amado de Deus. Pecamos, por isso, e ferimos o coração de Deus, quando não vemos no rosto do irmão a Sua presença.

Relação connosco próprios: Os nossos atos e atitudes que criam rutura e desarmonia interior e nos afastam do caminho da vida e do amor também afetam o íntimo do nosso Deus.

– Relação com o mundo: A criação é fruto do amor de Deus e foi-nos entregue para que cuidássemos dela. Explorá-la é um gesto de falta de solidariedade com a humanidade atual e com a futuras gerações e fere o coração do Criador.

Padre Emanuel Brandão


A confissão dos pecados

No itinerário da conversão, após o reconhecimento dos pecados e a vontade de mudança surge a confissão individual dos pecados perante o sacerdote. Numa cultura marcada pelo grande respeito pela privacidade e autonomia humanas torna-se difícil entender e aceitar este ato do penitente. Porquê confessar os pecados a alguém como eu? Não chega pedir perdão a Deus? Pode-se fundamentar a importância da confissão sacramental com uma dupla perspetiva: a antropológica e a teológica.

Antropologicamente, hoje é sabido que verbalizar e comunicar o que nos inquieta e atormenta pode representar para nós um enorme alívio e uma grande libertação.

A verbalização das nossas faltas, e a compreensão e incentivo que as palavras do sacerdote devem proporcionar, libertam-nos do peso do pecado e do mal. Reconcilia-nos com o passado e abre-nos o futuro. É portanto um ato de esperança. E para compreender plenamente os nossos erros torna-se necessário situá-los no contexto de toda a nossa vida e da nossa situação concreta. O confronto com alguém que nos oiça e compreenda pode ter um papel decisivo neste discernimento.

Teologicamente, tanto o pecado como o seu perdão possuem sempre uma dimensão social ou eclesial. Como somos um ser de relação e de comunhão o nosso pecado também afeta os outros, como a culpa dos irmãos também bate à nossa porta. E para que não fique numa mera dimensão teórica, tal dimensão deve realizar-se também de um modo social e eclesialmente tangível.

O pecado tem assim de ser comunicado na confissão à Igreja (na aceção mais profunda do termo). Neste sentido, pode e deve afirmar-se que a confissão dos pecados forma parte necessariamente da essência do sacramento da penitência. Na confissão, o ser humano, que no estado de culpa pretendia realizar a sua existência voltada apenas sobre si mesmo, volta a abrir-se com amor â comunidade. É assim um ato de reconciliação com os outros.

Em suma: A confissão é um acontecimento de graça, pois possibilita ao homem uma nova identidade e integridade, um novo ser.

Padre Emanuel Brandão


A reparação – conversão

Após a confissão dos pecados e antes de receber a absolvição sacramental, o penitente é convidado a aceitar a obra de satisfação ou reparação da penitência. Este ato não deve entender-se como o cumprimento de uma pena ou como um castigo pelos pecados cometidos, como se Deus fosse um juiz vingativo, capaz de reter o Seu perdão até que a «penitência» seja cumprida. Como fruto da graça do perdão de Deus, a satisfação ou reparação é um elemento necessário e integrante do processo de penitência e de conversão, pelas seguintes razões:

– Manifesta a autenticidade dos nossos propósitos de mudança, enquanto se repara, de certa forma, o mal cometido.

– É uma prova de que não fugimos à nossa responsabilidade, fazendo-se assim justiça.

– Realça que a conversão não se reduz a um momento ou instante, mas é um processo contínuo de luta contra o pecado e suas consequências.

– Manifesta a sinceridade da nossa conversão na verdade das nossas obras, sendo assim um compromisso para a construção de uma sociedade mais justa.

Nos primeiros séculos da Igreja, as obras penitenciais eram consideradas como um dos elementos mais importantes do processo penitencial. Eram o sinal público da sinceridade da conversão. Mais ainda, eram a condição necessária para a readmissão dos penitentes à comunhão eclesial. Parece assim urgente procurar que nos nossos dias a satisfação seja algo verdadeiramente significativo. Não se pode reduzir à mera recitação de uma breve oração, mas deve corresponder a um esforço mito sério de mudança e abandono da situação de pecado. Tem de ser remédio contra o pecado e reparação do mal feito. Como tem uma relação muito especial com a justiça, a satisfação implica um compromisso com relações mais justas e fraternas com os outros.

Em suma: um coração renovado pela graça do perdão de Deus tem necessariamente de desembocar num comportamento novo.

Padre Emanuel Brandão


O perdão de Deus

O perdão de Deus é a verdadeira neta do sacramento da Reconciliação, marcado pela esperança e pela confiança na misericórdia de Deus que nos acolhe e renova, pela mediação da Igreja, sinal e instrumento do perdão divino. Como refere o Papa Francisco, «misericórdia: é palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. (…) É o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro» (MV 2). Em Jesus Cristo, Deus tornou visível e palpável, o Seu amor por toda a humanidade, de maneira particular através dos sacramentos. Tendo por centro o mistério pascal de Cristo, o sacramento da Reconciliação constitui-se num verdadeiro acontecimento salvífico, numa libertação da escravidão do pecado e numa atualização da redenção e da reconciliação que sucedeu no sacrifício da cruz. O amor de Deus é mais forte que o pecado, cura as feridas causadas por ele e comunica-nos uma vida nova. Já na Igreja primitiva os cristãos fizeram a experiência dolorosa de, após terem recebido uma vida nova no Batismo, recaírem em pecados graves, que criam rutura com Deus, com a comunidade cristã e com toda a criação.

Como uma segunda tábua de salvação e como uma renovação da graça do Batismo, surge o sacramento da Reconciliação que através da absolvição sacramental perdoa os pecados e restabelece a comunhão e amizade perdidas. O perdão divino permite assim, como refere Paul Ricoeur, «uma terapia da memória, uma cura permanente da «capacidade destrutiva das recordações». Ao celebrar o sacramento da reconciliação, o cristão, confessa-se necessitado de reconciliação e compromete-se a ser promotor da paz e da reconciliação. É reconciliado e é reconciliador. O perdão recebido de Deus tem de se concretizar no perdão fraterno e na reconciliação com todos os irmãos. O perdão oferecido aos irmãos é um momento de crescimento interior, pois fica sempre um pouco de perfume nas mãos daquele que oferece rosas.

Em suma: por tudo isto, receber, oferecer e praticar a misericórdia com alegria, como refere o Papa Francisco, tem de ser a «arquitraves que suporta a vida da Igreja» (MV 10).

Padre Emanuel Brandão